sexta-feira, 8 de outubro de 2010

O barbeiro

Acordava todos os dias às 6 horas da manhã. Acordou. Não precisava de relógio despertador, tantos anos de costume o transformaram em seu próprio relógio, tivera muitos anos para observar o tempo, tanto que as horas do dia e as estações do ano tornaram-se suas amigas e tornavam-se decifráveis.
Lavou o rosto, escovou os dentes que sempre conservou e que agradecia todos os dias por isso, não suportaria próteses e além do mais adquirira ao longo do tempo uma certa antipatia por protéticos, culpa de um tal de Juvenal, sujeito mal encarado e petulante que fazia a barba às sextas-feiras.
Preparou o café preto que outrora fora preparado pela D. Clotilde sua falecida esposa. Como todos os dias lembrou-se dela com saudade e bebeu o café se recordando dos tempos de mocidade, das voltas em torno da praça, do almoço do domingo, dos crepúsculos, do hálito de bala de canela, daquele amor que ele acreditava não existir mais. Talvez não exista.
Escolheu cuidadosamente a roupa a vestir, as camisas já não eram tão bem passadas como antes, a empregada que vinha às segundas, quartas e sextas-feiras não tinha a mesma técnica de D. Clô, mas era, pelo menos, melhor que as outras cinco que vieram antes dela. Com a velhice tornara-se mais metódico do que costumava ser, mais ranzinza também, se irritava com facilidade e talvez isso estivesse espantando as empregadas.  
Depois de vestir-se, colocou o chapéu de sempre e dirigiu-se para a sua barbearia que ficava a uma quadra dali. Levantou a porta, observou os instrumentos de trabalho, os pôsters das vitórias do Corinthians no século passado, o espelho já um pouco embaçado, a cadeira sempre na mesma posição. Sentou-se nela e esperou o dia vazio passar.


3 comentários:

fatoSempalavras disse...

Tão lindo. Tão perfeito.

Estava com saudades de te ler. de ler este tipo de textros que escrevias qnd lhe conheci, lembras? rs


me veio em mente a música 'O VELHO E O MOÇO' (Los Hermanos)

bjoos

Caio *-* disse...

Oiiiiii ! Tudo bem ?

Estive passando no seu blog e gostei de seus textos. Se puder, de uma passadinha nos meu: realidade03.blogspot.com

Abraços

Nanda disse...

Lindo!

E quantas vezes me sinto exatamente como esse barbeiro... dia vazio, mesmas coisas, enfim...

Beijo